Considerações Pessoais sobre assuntos que não interessam a ninguém

Uma Questão de Sobrenome

Toda a gente sabe que a parte mais importante do nome é o apelido. Quando se pede um empréstimo, quando se telefona a marcar uma mesa no restaurante da moda, quando se é apresentado a alguém, quando se recebe um convite, quando nos candidatamos a um qualquer emprego ou mesmo em eleições (legislativas ou para a Associação Recreativa da terrinha - não importa), o nosso apelido vai à nossa frente, como que deixando logo ver quem aí vem. Todos os apelidos têm um rigoroso significado. Isto é tão certo como Fiat ser Fiat e Ferrari ser Ferrari.
Ou seja, eu gostava de me chamar Mello, Mendonça, Burnay, ou Menezes ou qualquer outra coisa que causasse mais frison do que o meu Silva... A culpa é do meu bisavô, que Deus o tenha, que era agricultor, daqueles que praticam uma agricultura de subsistência. Nunca conheci um agricultor desse género que tivesse um apelido jeitoso, nem sequer aceitável. Impossível, nem na rubrica "Mundo Louco", um agricultor chamar-se Sotto Mayor. Agora imagine-se um banco chamado Silva...

Actualmente, em histeria contra-revolucionária, todo o mundo anda a baptizar a descendência com nomes nobres. Nunca houve tantos Afonsos, Martins, Guilhermes, Salvadores, Bernardos; tantas Ineses, Beatrizes, Carolinas, Carlotas e Constanças. O problema, na minha opinião, é que o sobrenome destoa sempre. A filha de um Queijinho não se pode chamar Constança Queijinho! Tem que ser Maria, ou Joaquina. As pessoas devem tentar perceber que a atribuição de um nome é uma arte, como a pintura ou a literatura, tem que haver equilíbrio estético, poesia, métrica, abstracção, tem que nos fazer sonhar. Um nome é um texto pequenino. É por isso que os escritores com nomes maus arranjam pseudónimos.

Os apelidos contam logo tudo sobre a nossa origem social. São uns bufos! As pessoas podem tentar camuflar (enriquecer, comprar brasões, casarões, carrões, mandar os filhos para bons colégios), mas os sobrenomes não as deixam ir mais além. Um Silva será sempre um Silva, um Pereira nunca passará de um Pereira.

Nestes dias de novos-ricos, em que cada vez é mais difícil distinguir quem é de quem gostaria de ser, é necessário valermo-nos de uma regra simples para conseguirmos determinar quais os nomes que são verdadeiramente chiques. Sendo eu uma mulher do povinho, dediquei a este caso um zelo insuspeito e estou certa de que não duvidarão, os que tiverem a paciência de me ler, da minha imparcialidade. Os sobrenomes encaixam-se em 3 categorias muito simples: a 1ª, a 2ª e a 3ª Classe, sendo que a 1ª Classe é óptima, a 2ª Classe razoável e a 3ª Classe uma vergonha!

Quando quiser saber a que classe pertence um apelido, pergunte-se sempre: é bicho, planta, local, objecto, ou adjectivo? Só é de 1ª Classe se não for nenhuma dessas. Apenas me ocorre uma excepção: uma pessoa pode chamar-se Anadia se for também Conde de Anadia, ou Alorna se for Marquesa de Alorna. Senão... NÃO!

Já os sobrenomes de 2ª Classe são aqueles que nos remetem a qualquer coisa, embora não imediatamente. Eu exemplifico. Ninguém pensa num pinto quando é apresentado ao Sr. Pinto. Ninguém pensa numa oliveira quando conhece o Sr. Oliveira. Já quando nos apresentam o Sr. Lagarto, a imagem não nos larga durante todo o jantar. E os apelidos de 3ª Classe?, perguntam vocês. Topamo-los logo - é instintivo. São aqueles demasiado originais (Pirolito) ou demasiado frequentes, como o meu (Silva).

A quantidade de apelidos também é importante. Quando se tem menos que 3 apelidos, é-se incontestavelmente popular. E não vale contar os "de" e os "e".

O povinho até já chegou ao poder. Em muitos países, as figuras de destaque na política, tem um mínimo de pedigree. Em Portugal não é assim, nem em Espanha. Atente-se no caso do nosso actual Presidente da República. O Prof. Cavaco Silva é nitidamente de um pedigree xunga. Para não dizer abaixo de cão. E o Primeiro-Ministro espanhol?! Zapatero. Pelo amor de Deus... Serei só eu a prejudicada por ter este sobrenome tão infeliz?! Sim, porque é dele a culpa de eu não ter um emprego decente - disso não há réstia de dúvida na minha mente.